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Escola pública em Paris tenta combater antissemitismo e islamofobia

Por Agência O Globo

30/12/2017 17h12 — em
Mundo



PARIS — Face à reverberação de discursos racistas, xenófobos, antissemitas e islamofóbicos na França, exacerbados após os atentados terroristas de 2015, uma escola pública parisiense e uma associação dedicada à amizade entre judeus e muçulmanos se aliaram num trabalho pedagógico com alunos de diferentes origens e crenças para promover o “viver junto” e combater estereótipos e preconceitos. O colégio público Georges-Brassens, no 19° distrito da capital francesa, e a associação Bâtisseuses de Paix (Construtoras de Paz) reivindicam um projeto urgente em tempos de “comunitarismo”, de “importação do conflito Israel-Palestina”, e lamentam a falta de um diálogo positivo no ensino francês na abordagem destes temas.

Na escola Georges-Brassens, a professora de Letras, Jacqueline Courier-Brière, adaptou o ateliê “Povos e culturas do mundo”, em torno de tradições diversas, que havia criado no subúrbio parisiense, e, junto com o colega de História Nasser Dja Bouabdallah, implantou o programa Humanidades.

— Introduzimos o estudo dos fatos religiosos, dos mitos, das epopeias, dos textos fundadores, para dar aos alunos uma cultura compartilhada, não somente europeia, mas universal. São sessões abertas, eles têm o direito de perguntar tudo, sem censura — garante a professora.

Os docentes notaram um aumento dos questionamentos dos alunos após os ataques terroristas, com perguntas como: um muçulmano pode entrar numa igreja? Por que aos sábados os judeus não podem acionar o elevador? Pode-se fazer caricaturas de Maomé?

— Sou republicano e laico, e considero que os professores, à força de se desvencilharem da religião, acabaram por esvaziar essas questões — diz Bouabdallah. — E quem as retomou? Outras pessoas que não têm forçosamente boas intenções, como sites radicais ou um imã com má formação, sem grande cultura histórica. A religião está de volta, com força, e é preciso conviver com ela, explicá-la. A laicidade não pode se tornar também uma religião — defende.

A boa repercussão do programa levou pais dos alunos a solicitarem a ampliação dos cursos. No ano passado, pesquisadores universitários submeteram os alunos a um questionário. Segundo o Bouabdallah, o resultado surpreendeu a equipe acadêmica.

— Eles se disseram surpresos porque não foram detectados sinais de antissemitismo ou de islamofobia. Por outro lado, notaram traços de homofobia e de um racismo antichinês.

O professor acredita que sua filiação facilita seu diálogo com os alunos:

— Penso que tenho uma certa legitimidade para falar, porque sou de origem argelina, tenho duas culturas. As tensões estão muitas vezes ligadas ao que se passa nos territórios palestinos e israelenses, e que acabam ressurgindo aqui. Explicamos que, antes de serem judeus ou muçulmanos, eles são franceses, e que não devem importar para cá o que ocorre no Oriente Médio.

Há dois anos, a escola iniciou uma parceria com a associação Bâtisseuses de Paix, fundada por Annie-Paule Derczansky, que procura a aproximação entre as culturas judaica e muçulmana. Judia, Derczansky descobriu certo dia a história de Abdelkader Mesli, imã da Mesquita de Paris deportado para os campos de concentração de Dachau e de Mauthausen, em 1944, por ter fornecido centenas de falsos certificados de religião muçulmana para salvar judeus da perseguição nazista. O imã chegou a esconder judeus em sua mesquita, e também fornecia cupons de racionamento de alimentação a famílias judias. Entre suas diversas iniciativas, a associação promove em escolas o testemunho de Mohamed Mesli, filho do imã (que sobreviveu aos campos e morreu em 1961), além da exibição de um documentário e da distribuição de um livro publicado sobre o episódio.

— Esta história poderia reconstruir um diálogo positivo. Nós mostramos que os irmãos Kouachi e Amedy Coulibaly (autores dos atentados de janeiro de 2015 na França) não são muçulmanos, que isso não é o Islã — conta Derczansky.

Na sua opinião, existe na educação francesa uma “terrível ausência” deste tipo de ensino, que ela sugere como obrigatório nas escolas:

— Outras associações fazem a culpabilização dos muçulmanos, e nós somos criticados por defendermos uma abordagem positiva. Um político judeu fez com que cortassem subvenções para a nossa associação, acusando-nos de “comunitaristas”. Numa das melhores escolas judaicas de Paris, me disseram que os pais reclamaram de nós, argumentando que não colocaram seus filhos lá para que encontrassem árabes e negros. Tenho cultura judaica e israelense, mas não vivo na rejeição do outro — defende.


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