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Em Nova York, silêncio das ruas é interrompido pela sirenes das ambulâncias

Por Folha de São Paulo

01/04/2020 17h48 — em
Mundo



NOVA YORK, SP (FOLHAPRESS) - O som de sirenes faz parte de Nova York. Ele é tão comum que se mistura ao ruído da cidade e normalmente passaria batido aos ouvidos da maioria dos nova-iorquinos.

Mas em meio à crise de coronavírus, as sirenes se tornaram tão frequentes que é impossível não prestar atenção à passagem das ambulâncias e ao que elas representam.

A cidade de Nova York tem 44.915 casos de Covid-19, segundo dados da prefeitura divulgados na manhã desta quarta-feira (1º). O número é maior que a população estimada de Paraty (RJ) em 2019 - 43.165 habitantes - e mais da metade do total de casos do estado - 83.712 mil.

A cidade também está na dianteira de mortes, com 1.139 das 1.915 do total estadual.

Se Nova York é o epicentro da crise do coronavírus nos Estados Unidos, o epicentro do epicentro está no hospital municipal Elmhurst, no Queens, distrito que responde por um terço dos casos de Covid-19 na cidade.

O hospital de 545 leitos está localizado em Elmhurst-Corona, um dos bairros mais pobres e de maior densidade populacional de Nova York.

Grande parte dos residentes é formada por imigrantes, que dividem residências de um cômodo com várias gerações da mesma família ou com outros imigrantes, e por trabalhadores de serviços essenciais, como entrega de comida.

Mas o coordenador de produção Chris Alan Jones, 44, não precisa de nenhuma estatística ou notícia para saber como o Elmhurst está sobrecarregado.

Morador do bairro de Jackson Heights, Jones está na rota das ambulâncias que chegam a Elmhurst e conta que ouvir a passagem das ambulâncias em alta velocidade se tornou tão frequente que sua filha de 11 meses, Joni, imita o som das sirenes quando elas passam, dando gritinhos de "aaaaah-aaaaah-aaaah".

"Ouvimos pelo menos duas vezes por hora", descreve. "E o pior não é nem ouvi-las, é saber o que elas significam."

Portador de uma doença autoimune, Jones faz parte do grupo de risco para Covid-19 e está isolado com a esposa e a filha nos 74 m² de seu apartamento de um quarto desde 7 de março.

Desde então, só saiu do seu prédio cinco vezes, porque, mesmo com as medidas de isolamento, é difícil manter a distância de dois metros das outras pessoas dentro do edifício ou na calçada.

"Eu deixo para colocar o lixo para fora tarde da noite, para não correr o risco de encontrar alguém. E uso luvas de látex", afirma.

Nova York acelera para triplicar o número de leitos hospitalares da cidade, de 20 mil para 60 mil, e assim atender a população infectada antes do período de pico de casos, previsto para meados de abril.

A cidade conta com cerca de 170 hospitais entre particulares e municipais.

A pedido do governador Andrew Cuomo, todos os hospitais do estado estão se organizando em uma rede para compartilhar informações, equipamentos e funcionários, otimizando recursos, aliviando unidades mais sobrecarregadas e transportando pacientes acidentados ou com outras doenças não relacionadas ao coronavírus.

Ele também quer estabelecer uma central para direcionar profissionais e suprimentos, como máscaras e ventiladores, onde eles são mais necessários, e não está descartada a transferência de pacientes de Covid-19 de Nova York para hospitais no interior do estado.

Não são só UTIs e enfermarias que estão lotadas; a prefeitura também disponibilizou carros frigoríficos para hospitais cujos necrotérios estejam com a capacidade acima do limite.

Os relatos de médicos e enfermeiros que chegam de salas de emergência e UTIs relatam um cenário apocalíptico, no qual profissionais de qualquer especialidade são transferidos para ajudar nos prontos-socorros entupidos de gente.

Além da falta de equipamento de proteção, os pacientes chegam tão doentes que são colocados diretamente em respiradores mecânicos, aos quais ficam conectados por semanas.

Um dos médicos do Elmhurst descreveu o volume de pacientes como um tsunami, com doentes morrendo em macas ou cadeiras à espera de um leito. Outro profissional, sob condição de anonimato, disse ao jornal online The City que os únicos leitos vagos são os de pacientes que morrem.

A crise também atinge hospitais privados. Fotos de enfermeiros da rede Mount Sinai usando sacos de lixo por cima das vestes cirúrgicas circularam nas redes sociais nos últimos dias.

Um alívio para os hospitais locais chegou na forma do navio-hospital da Marinha americana que atracou em Manhattan na segunda-feira (29). O USNS Comfort vai fornecer 1.000 leitos e 12 salas cirúrgicas.

O centro de convenções Jacob Javits, na região oeste de Manhattan, também foi convertido em hospital de campanha com 1.200 leitos, e o governo estadual está construindo hospitais temporários em outras partes da cidade, como o terminal de cruzeiros do Brooklyn e o USTA Billie Jean King National Tennis Center, no Queens, também conhecido como a sede do torneio de tênis US Open.

Enquanto isso, os nova-iorquinos seguem entocados em casa, e as ruas, bem mais vazias que o normal.

As ordens executivas do prefeito Bill de Blasio fecharam todos os escritórios e serviços não essenciais, estabeleceu a regra de dois metros de distância e proibiu aglomerações, mas não alteraram o direito de ir e vir dos residentes.

Uma das cinco vezes que Jones colocou o pé na rua foi para ir ao parque Flushing Meadows, no extremo leste do Queens. "Foi o único lugar onde nos sentimos seguros para manter a distância necessária das outras pessoas", explica.

Os mais de 2.800 playgrounds da cidade continuavam abertos até o governador Andrew Cuomo anunciar, nesta quarta, o fechamento de todos eles. Parques, no entanto, seguem abertos.

Antes, De Blasio já havia fechado dez parquinhos infantis municipais porque os frequentadores não estavam seguindo a regra dos dois metros de distância.

O prefeito também disse que autorizou a polícia a aplicar multas de US$ 200 a US$ 250 (de R$ 1.052 a R$ 1.315) para quem não respeitar a ordem de isolamento social.

A esposa de Jones, Jessica Letkemann, 44, espaça ao máximo as saídas com a filha pequena, porque "as pessoas não têm noção".

Ela diz que, embora as ruas estejam vazias, muitos não se incomodam de dividir as calçadas estreitas da vizinhança com ela e o carrinho de bebê e não mantêm distância, chegando a reclamar quando ela pede que se afastem.

"Tem um pouco de tudo, entregadores andando de moto ou bicicleta na calçada, idosos indo fazer compras e muita gente mais jovem andando com os cachorros e distraída com o celular", descreve.

"Mas ninguém está na rua para passear, é para fazer algo e voltar logo depois."

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