Confúcio e experiência com epidemias ajudam Ásia no controle da Covid-19
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS) - Enquanto o Ocidente se desespera para lidar com a Covid-19 -Espanha, Itália, França e EUA registram centenas de mortos diariamente pela doença causada pelo novo coronavírus-, a Ásia exibe números de fazer inveja. A Coreia do Sul, que chegou a ser o segundo maior foco da doença depois da China, tem uma das menores taxas de óbitos (1,69%), junto com Singapura (0,07%). Pela proximidade com a China -onde o surto começou- e pelo número de voos que conectam os dois países, Taiwan poderia ter sido devastado pela doença, mas valeu-se da experiência adquirida durante a epidemia de Sars e registrou até agora apenas cinco mortos por Covid-19 em 24 milhões de habitantes. Esse sucesso em enfrentar o primeiro momento da pandemia, porém, agora se equilibra em corda bamba e vários países da região tem tomado medidas para conter uma segunda onda de contaminação. O êxito inicial da Ásia em lidar com a pandemia parece se dar não só porque a região foi a primeira a ser atingida, mas por um tripé formado pela cultura de valorização do coletivo sobre o indivíduo, estruturas avançadas de monitoramento de doentes e uso de inteligência artificial para detectar casos suspeitos. O sudeste e o leste da Ásia estão de fato se dando melhor no controle da Covid-19 do que países ocidentais, na opinião do diplomata Fausto Godoy, que serviu o Itamaraty em 11 países do continente e hoje coordena o Núcleo de Estudos Asiáticos da ESPM. Isso se deve, diz, ao confucionismo adotado por China, Japão, Coreia do Sul e Singapura. Nascido no norte da China em 479 a.C., o filósofo Chiu Kung -cujo nome foi europeizado para Confúcio- legou ao Oriente o pensamento de que os governantes devem ser exemplares e de que o Estado existe para beneficiar a população. Seus aforismos, como "não faça aos outros o que você não quer que seja feito a você", pregam a harmonia da vida em sociedade. "No Ocidente, temos os nossos direitos, você deve respeitar o meu direito. Isto vem da Revolução Francesa e da declaração de independência dos EUA, segundo a qual todos os homens são criados iguais e têm o direito de perseguir a felicidade. O confucionismo é o oposto disso", diz Godoy. "Você, eu, todos nós só passamos a ter importância quando agregamos algo à sociedade. É assim que se constrói um hospital em dez dias [erguido na China] e assim que a gente consegue fechar uma cidade como Wuhan [onde o surto começou], com 11 milhões de habitantes", acrescenta. O quadro se completa com a predisposição dos chineses a acatarem as ordens de um governo de partido único: "Eles obedecem convictos". Itália e EUA, lembra Godoy, estavam desatentos aos perigos do vírus e, quando se deram conta, muitas pessoas já haviam sido contaminadas." Nosso individualismo é um grande obstáculo. O coletivismo asiático é uma grande diferença", finaliza Godoy. A preocupação com o outro aparece também em gestos cotidianos, a exemplo do uso de máscaras, hábito que precede o novo coronavírus. No Japão, as vendas do acessório explodiram em 2009, durante o surto da gripe H1N1, e pessoas contaminadas as vestiam para evitar o contágio de quem estava saudável. Na pandemia atual, o governo está doando duas máscaras por residência. Após um pico de infecções no final de fevereiro, a Coreia do Sul determinou que 90% da produção local do item seria vendida no mercado interno. O governo aconselhou os cidadãos a vestirem uma por dia. Seul também estava mais preparada desta vez pois o país enfrentou em 2015 um surto de Mers, cepa de coronavírus que infectou 185 pessoas e matou 38 coreanos. Jegal Dong-wook, professor de medicina na Universidade Católica da Coreia do Sul, afirmou ao jornal Financial Times que desde então os hospitais contam com unidades de controle de infecção e salas de pressão negativa, usadas para isolar os contaminados. Em paralelo, pessoas com sintomas respiratórios passaram a se dirigir primeiro a centros de detecção de doenças infecciosas, e não a hospitais, facilitando a triagem. Aprendizado semelhante teve Taiwan, depois de lidar com a epidemia de Sars em 2003: entre março e julho daquele ano, a doença respiratória cujo epicentro era a China teve mortalidade de 27% entre os taiwaneses contaminados. Desde então, a ilha criou mecanismos para lidar com epidemias vindas do vizinho, dentre os quais um órgão responsável por coordenar ações em nível federal e regional. Quando Wuhan notificou a Organização Mundial da Saúde sobre os primeiros casos de Covid-19, agentes taiwaneses imediatamente passaram a entrar nos aviões e medir a temperatura de passageiros vindos da China que pretendiam desembarcar na ilha. Na contenção do vírus, às medidas sanitárias se aliaram as tecnológicas, com o emprego maciço de inteligência artificial e de câmeras de monitoramento. Na China, forças de seguranças na cidade de Hangzhou se muniram de óculos termais, capazes de medir a temperatura de centenas de pessoas em apenas dois minutos. Além disso, oficiais se valiam das 200 milhões de câmeras de segurança espalhadas pelo país para detectar pessoas que violavam a quarentena. "No caso da China, por razões outras eles trabalhavam há muito mais tempo com tecnologia de identificação de pessoas por reconhecimento facial para fins de segurança interna, e agora podem aplicar esse tipo de coisa no controle da pandemia", argumenta Vivaldo José Breternitz, professor da Faculdade de Computação e Informática da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Ele coloca ainda que a adoção maciça de sistemas de vigilância tecnológicos se dá num país onde "o direito à privacidade é nenhum" e no qual os habitantes estão acostumados a seguir as ordens do governo --o que dificilmente seria facilmente aceito em democracias ocidentais. Mesmo assim, "é de se acreditar que outros países adotarão ou já estão adotando medidas similares, pois governos estão dispostos a utilizar quaisquer ferramentas necessárias para conter a Covid-19, mesmo que estas ameacem a privacidade de seus cidadãos --a ideia é que diante dos interesses da coletividade, aqueles individuais podem ficar em segundo plano". Após conter a transmissão doméstica, Pequim se preocupa com quem chega do exterior. Na quinta (2), o regime anunciou que endurecerá os controles de fronteira e imporá quarentena aos viajantes que entram no país por terra. Já Singapura anunciou nesta sexta (3) que fechará o comércio e as escolas pelo próximo mês, enquanto a Coreia do Sulimpôs recentemente uma quarentena obrigatória para estrangeiros, que devem permanecerem em instalações do governo por 14 dias após desembarcarem.
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