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Analistas citam motivações econômicas e frustração para escalada de protestos no Irã

Por Agência O Globo

02/01/2018 20h01 — em
Mundo



TEERÃ E WASHINGTON — Em um país onde protestos políticos são raros, a escalada das manifestações no Irã — que apenas na madrugada de segunda-feira deixaram mais nove mortos na região de Isfahan, no centro do país — fez com que o líder supremo iraniano, aiatolá Ali Khamenei, se pronunciasse pela primeira vez sobre a crise, acusando “inimigos do Irã” de interferência. No total, já são 22 mortos na onda de manifestações iniciada na última quinta-feira em Mashad, segunda cidade mais populosa do país e centro da teocracia xiita, além da terra natal de Ebrahim Raisi, candidato da linha-dura que perdeu as eleições para o presidente reformista Hassan Rouhani. Inicialmente contra as dificuldades econômicas e o desemprego, no entanto, os protestos se voltaram contra a corrupção política, o clero e, para espanto de alguns, até contra o líder supremo.

— Nos acontecimentos dos últimos dias, os inimigos se uniram e estão usando de todos seus meios, seu dinheiro, suas armas, suas políticas e seus serviços de segurança para criar problemas para o regime islâmico — afirmou Khamenei, em uma declaração transmitida na TV estatal. — Esperam apenas uma chance para se infiltrar e atacar o povo iraniano.

Os protestos, que já se alastraram para cerca de 20 cidades, causaram a detenção de pelo menos 450 pessoas — cem apenas na noite de segunda-feira. Enquanto isso, a embaixadora americana na ONU, Nikki Haley, anunciou que Washington pedirá a realização de uma reunião de emergência do Conselho de Segurança sobre os protestos.

Até agora, Rouhani defendeu o direito de protestar, mas advertiu que a ilegalidade e a violência não serão toleradas. Mas a escalada nos protestos é maior a cada dia. Na noite de segunda-feira, nove manifestantes — dentre eles um menino de 11 anos, um policial e um membro da Guarda Revolucionária iraniana — morreram durante protestos. Em Najafabad e Kahriz Sang, dois policiais foram atingidos por disparos de fuzis de caça.

— A cada dia que passa, o crime dos detidos são mais graves e sua punição será mais pesada. Não vamos mais considerá-los como manifestantes que exigem seus direitos, mas pessoas que atacam o regime — ameaçou na segunda-feira o chefe do tribunal revolucionário de Teerã, Mussa Ghazanfarabadi.

A gota d’água para a insatisfação foi o aumento de 40% no preço do ovo e das aves, que o governo atribuiu ao abate devido ao receio de uma gripe aviária. Mas o ritmo das manifestações causou surpresa e, inevitavelmente, teorias de conspiração.

— Diferentes pessoas estão protestando por motivos diferentes — explicou ao “Independent” Hamid, estudante de 23 anos. — Para os alunos, não há emprego depois de estudar tanto. Muitos trabalhadores ganham pouco e os preços continuam aumentando. Alguns conservadores, por sua vez, protestam porque perderam as eleições e não gostam de Rouhani e dos liberais.

O desemprego, que permanece alto, é uma das grandes críticas dos manifestantes, especialmente os mais jovens, onde atinge mais de 28%. Mas Bijan, engenheiro de 28 anos, não descarta que alguns possam estar tentando explorar a situação.

— Não queremos que ninguém utilize politicamente os protestos, nem conservadores nem sauditas ou americanos. Mas, para isso, Rouhani precisa fazer as reformas prometidas.

O governo culpa “contrarrevolucionários” no exterior de tentarem se aproveitar da insatisfação para criar problemas no país. Mais cedo, o presidente Donald Trump voltou a expressar apoio aos manifestantes e, mais uma vez, chamou o regime de brutal e corrupto. Os dois países vivem um momento de crise diplomática, agravada pela postura agressiva de Trump, que ameaça abandonar o histórico acordo nuclear entre Teerã e potências mundiais.

— Ainda que as autoridades iranianas e a própria oposição tenham sido pegas de surpresa, é incontestável que os motivos do descontentamento, sobretudo das classes mais pobres, existem há tempos. — explicou Alberto Zanconato, correspondente da agência Ansa em Teerã. — Enquanto o acordo nuclear ainda não trouxe para muitos os benefícios econômicos esperados, no último ano a opinião pública foi sacudida por uma série de escândalos financeiros e uma Lei Orçamentária que corta os subsídios para milhões de pessoas.

Para Patrick Cockburn, do “Independent”, ainda é cedo para dizer até que ponto as manifestações são uma ameaça ao governo, mas elas podem interferir no acordo nuclear. “A repressão sangrenta aos protestos também pode empurrar os ocidentais a compartilharem a postura agressiva de Trump e enfraquecer fatalmente o acordo nuclear. Isso, por sua vez, fortaleceria os linha-dura que podem culpar a postura de Rouhani e suas políticas mais liberais, interna e externamente, pelo fracasso”, disse em artigo.


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