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Em guerra declarada, imprensa reage a ataques de Trump

Por Portal Do Holanda

18/02/2017 5h27 — em
Mundo



RIO - Deveria ser apenas a apresentação de seu novo secretário do Trabalho. Mas a primeira coletiva de Donald Trump como presidente dos Estados Unidos sem um líder estrangeiro a seu lado, anteontem, fez mais do que gerar manchetes bombásticas nos jornais ou dar aos comediantes americanos material para as esquetes de abertura de seus talk shows noturnos. Os constantes e furiosos ataques à imprensa deixaram claro que a tática de se referir a reportagens pouco elogiosas como “notícias falsas” era apenas o primeiro passo numa batalha na qual o presidente transformou jornalistas em inimigos. A imprensa reagiu à altura, com críticas fortes em editoriais de jornais e condenações em programas de notícias na TV que incluíram até veículos simpáticos a Trump, como a Fox News. Ontem, o presidente voltou à ofensiva no Twitter: “A mídia das notícias falsas não é minha inimiga, mas sim do povo americano”.

Na coletiva, seu tom foi da mágoa (mostrou-se incomodado com o “ódio excessivo” por parte da rede CNN) ao desafio (afirmou que não deixaria mais que as “distorções midiáticas” dominassem a cobertura), mas o caráter beligerante de suas palavras não foi, em momento algum, deixado de lado. Trump disse estar falando diretamente ao povo americano porque este não acredita nos repórteres.

No “New York Times”, o editorial de ontem apontou que a imprensa é um alvo fácil para um presidente que inicia seu governo de forma tumultuada e a usa como cortina de fumaça para tentar desviar a atenção dos inúmeros problemas que o acometem. No “Guardian”, a colunista Marina Hyde pede a seus colegas jornalistas que deixem de lado a cobertura dos ataques de Trump à imprensa, lembrando que há assuntos verdadeiramente relevantes a serem investigados e reportados pelos jornais. “Não o alimentem”, escreveu a colunista.

Até da Fox News, elogiada por ele durante a coletiva, Trump recebeu críticas. O âncora Shepard Smith classificou o comportamento do presidente como “absolutamente louco”, criticando-o por se esquivar de perguntas sobre a relação de sua equipe de campanha com o governo russo.

— Trump tem usado suas críticas à imprensa para desviar atenção dos contatos que sua equipe manteve com a Rússia durante a campanha — afirmou ao GLOBO Terri Bimes, professora do Departamento de Ciência Política da Universidade de Berkeley, na Califórnia. — Com isso, ele garante que haja cada vez menos pressão dos congressistas para que seja aberta uma investigação sobre esses contatos.

Lonnie Isabel, professor de Jornalismo da Universidade de Columbia, em Nova York, classificou o desempenho de Trump na coletiva como “uma vergonha terrível para um presidente”.

— Sem querer, Trump fez algo muito importante, que foi levar os veículos a recuperarem seu foco — avaliou o professor. — Ele chegou ao poder numa época complicada para a imprensa, com jornais e TVs reduzindo equipes e enfrentando dificuldades, e, com sua retórica e suas mentiras, estimulou os repórteres investigativos que agora ganharam um papel mais importante nas redações.

A opinião é compartilhada por Bimes, segundo quem “a imprensa é uma importante ferramenta de controle do poder e vital para a democracia.”

— Com os ataques, Trump tenta fazer com que uma parcela maior da população veja a imprensa com desconfiança — afirmou Bimes. — Ao mesmo tempo, para outra boa parcela da população, seus ataques têm o efeito inverso, aumentando as vendas e a credibilidade destes veículos junto aos detratores do presidente.

A imprensa americana indicou que outros presidentes, como Thomas Jefferson, Bill Clinton e George W. Bush, também tiveram seus problemas com a imprensa, declarando publicamente seu descontentamento com a mídia, ou sendo flagrados usando termos nada carinhosos para se referir aos repórteres. No entanto, o comportamento de Trump na coletiva rendeu comparações com outro republicano impopular, Richard Nixon, que após mais de uma década mantendo uma turbulenta relação com a imprensa — tachada de “inimiga” certa vez numa reunião com membros de seu Gabinete — se viu obrigado a deixar o governo depois que uma reportagem do “Washington Post” revelou informações que levaram ao escândalo conhecido como Watergate.

— Os ataques à imprensa não são inéditos. Na verdade, muitos presidentes tiveram relações tempestuosas com a mídia — diz Isabel. — A diferença é que Trump tem o Twitter, e por consequência, uma exposição muito maior.

Trump, por sua vez, afirmou, no início de sua coletiva, que esperava que sua relação com os jornalistas melhorasse no futuro, caso fosse possível.

— Talvez não seja possível e isso está bem também — completou o presidente, mostrando que não está disposto a suavizar seus ataques à mídia.

Segundo Terri Bimes, de Berkeley, Nixon reclamava de jornalistas, mas não atacava a mídia de uma maneira abertamente agressiva como Trump faz.

— E há que se levar em conta que a confiança na imprensa era bem maior nos anos 1970. Hoje o cenário é diferente, e isso deu a Trump uma abertura para explorar esse sentimento e atacar os jornalistas.

A professora acredita que o comportamento do presidente pode ter consequências negativas dentro de seu próprio partido.

— Cada vez mais senadores republicanos têm criticado as ações do presidente — afirma. — Nos próximos meses veremos um grupo cada vez maior de republicanos se afastando de Trump.

E se, na grande mídia, o clima é de guerra, na imprensa alternativa, Trump — que tem como estrategista-chefe Steve Bannon, ex-editor do site conservador “Breitbart News” — recebeu elogios de radialistas polêmicos como Rush Limbaugh e Alex Jones por seus ataques à imprensa.

— Sites e radialistas conservadores foram influentes na campanha, e são valiosos para Trump por agirem como líderes de torcida, elogiando qualquer ação do presidente — diz Isabel. — Mas eles não têm muito poder para recrutar novos apoiadores, e tendem a perder força quando estão do lado de um presidente. Para sua audiência seria ótimo que eles ainda tivessem alguém como Obama para atacar.

A frase de Martin Barron, editor do “Washington Post”, proferida após a eleição de Trump foi bastante relembrada por veículos americanos na cobertura da coletiva. “Seremos incessantemente hostilizados e vilificados? A resposta é bem simples: temos somente que fazer nosso trabalho como ele deve ser feito”.

 


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O Portal do Holanda foi fundado em 14 de novembro de 2005. Primeiramente com uma coluna, que levou o nome de seu fundador, o jornalista Raimundo de Holanda. Depois passou para Blog do Holanda e por último Portal do Holanda. Foi um dos primeiros sítios de internet no Estado do Amazonas. É auditado pelo IVC e ComScore.

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