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Análise: Desprezo às mulheres não sairá caro ao presidente

Por Agência O Globo

30/06/2017 20h06 — em
Mundo



Trump, mulheres e sangue. Não é a primeira vez que o presidente dos Estados Unidos reúne esses três conceitos quando quer atacar uma jornalista. Há quase dois anos, quando começava sua corrida pela candidatura à Casa Branca, acendeu a polêmica quando provocou a estrela televisiva Megyn Kelly por considerar que havia sido dura demais com ele durante um debate entre os aspirantes conservadores. “Saía sangue dos olhos, saía sangue de... qualquer parte”, atacou. Aquelas palavras, pelo tom, pausa e contexto, se interpretaram como uma referência à menstruação e à alteração hormonal. A apresentadora havia enfatizado precisamente outras explosões de Trump, que havia chamado de “gorda” e “porca” a atriz Rosie O’Donell, entre outros casos. Aquilo causou o primeiro alvoroço republicano, lhe retiraram o convite a um ato em que participava como orador e uma horda de políticos republicanos conservadores saiu apressadamente a criticá-lo.

Nesta quinta voltaram as hemorragias, as de Trump com as mulheres e as de republicanos irritados. O presidente balançou os famosos apresentadores de um programa televisivo matinal muito crítico com ele (“Morning Joe”, da MSNBC), Joe Scarborough e Mika Brzezinski, e ainda optou por atacar a mulher: “A louca da Mika, de baixou coeficiente intelectual, e o psicopata do Joe vieram a passar três dias em Mar-a-Lago [resort de Trump na Flórida] no Réveillon e insistiram em me ver. Ela sangrava muito por um facelift. Disse que não!”, tuitou.

Milionário, incendiário, conscientemente machista e abençoado pelos eleitores, é impossível não compará-lo com Silvio Berlusconi, que se alojou no governo da Itália durante 17 anos a prova de disparates. Este último absurdo de Trump provocou uma indignação como não se recordava desde que chegou à Casa Branca. Além de políticos do partido rival, vários republicanos estão clamando contra seu presidente. O senador Lindsey Graham disse que esse tipo de mensagem “representa o pior da política na América” e Bem Sasse suplicou: “Por favor, pare, isso não é normal e está jogando para baixo a dignidade de seu cargo”. “Estamos tentando melhorar o tom do debate, mas isso não ajuda”, lamentou Paul Ryan, líder dos conservadores no congresso.

Pode um presidente se comportar assim sem que aconteça nada? Que países imaginam algo assim possível em seus governantes? Trump, vulcânico e agressivo nas redes sociais, ataca a política econômica da Alemanha com a mesma facilidade com que chama de fracassados jornais como “The New York Times”. O público americano, tão orgulhoso de sua história e suas instituições, parece já resignado que seu presidente se comporte desse modo, mas esse último disparate machista, tão virulento e dirigido a uma pessoa concreta, parece ter cruzado uma linha vermelha.

Parece, mas não é assim. Trump não respeitou nenhuma fronteira até agora. Se impôs com autoridade nas primárias republicanas contra mais de uma dúzia de rivais, apesar de seus excessos machistas e racistas, e venceu Hilary Clinton nas eleições com novos méritos nesse terreno, como quando a interrompeu em um debate dizendo “Que asquerosa essa mulher!”, ou quando se difindiu um vídeo de 2005 em que ele, em uma pausa de um programa televisivo, se jactava de poder manusear as mulheres sem seu consentimento graças a sua fama e poder. “Quando é uma estrela, te deixam fazer de tudo. Pode fazer o que quiser... Agarra-las pela vagina. Pode fazer o que quiser”, se orgulhava, entre risos. A três semanas das eleições, aquilo pôs o empresário novaiorquino no ponto mais crítico em sua relação com o Partido Republicano, cujos pesos-pesados o abandonaram. A reconciliação chegou com a vitória eleitoral.

 

Agora é presidente dos Estados Unidos e, ainda que seu nível de popularidade geral esteja entre os mais baixos da história americana, o percentual de aprovação entre os próprios republicanos resiste acima dos 80% desde que fez o juramento ao cargo, da mesma maneira que mais de 80% dos conservadores votou nele em novembro por fidelidade partidária. O empresário já chegava à carreira política com um histórico marcado por acusações de assédio ou sexismo, tanto por parte de participantes de programas de TV (“O aprendiz”), como de modelos do concurso de Miss Universo.

Os republicanos agora colocam seus olhares nas eleições legislativas de 2018 e são propensos a reagir quando creem necessário para seu eleitorado. Alguns especialistas apontam que, na realidade, a personalidade de Trump é tão exagerada que aos conservadores ajuda a marca as diferenças com o presidente e não lhes preocupa um voto de castigo. Comprovaram em novembro que não acontece. Chegado à política como o candidato do politicamente incorreto, fez do bullying uma bandeira. “Combate fogo com fogo”, justificou na quinta-feira a Casa Branca a respeito dos insultos a Mika Brzezinski. “Se te atacam, golpeie dez vezes mais forte”, disse Melania Trump através de seu porta-voz, o que choca em uma primeira dama que elegeu a luta contra o bullying como uma de suas prioridades.

Algo muito comum entre os eventos com Trump, ou quando alguém aos territórios que o levaram à Casa Branca, é seus seguidores desculparem essas atitudes machistas (às vezes em forma de insulto, às vezes em forma de galanteio a uma repórter que está trabalhando com seus colegas homens). “Não é um político...”, justificavam alguns, como se na verdade a linguagem natural é a de depreciação às mulheres e a correção da comunicação política é a que modera. “Claro que não gosto de seu estilo, mas o julgarei pelos seus atos”, apontam também. “Ele fala claro, diz o que os outros não se atrevem", é outro clássico.

Esses comentários costumam vir de homens e mulheres. Entre os eleitores de Trump convivem os que sentem certo regozijo revanchista diante das “trumpadas”, enfadados pelo que consideram um julgo do politicamente correto, os que suavizam os ataques racistas e machistas e os que não se gostam, mas primam por outros interesses: sua defesa ao direito de ter armas, sua promessa de abaixar impostos, a aversão a Clinton...

O papel que o sexismo teve nas eleições presidenciais dos Estados Unidos foi muito analisado, o que penalizou a democrata como candidata e o que considera que as atitudes de Trump não são para tanto. O sangue que tanto usa Trump quando se trata de atacar as mulheres, em seu caso, nunca chega ao rio.


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