Compartilhe este texto

Copa do Mundo terá jogadores nascidos em 51 países diferentes

Por Agência O Globo

14/06/2018 0h24 — em
Esportes



RIO - A busca por uma vida melhor levou dois imigrantes, ele do Marrocos, ela da Argélia, a se conhecerem na França. Fruto do relacionamento, o pequeno Medhi nasceu em 1987 num subúrbio de Paris, em Courcouronnes. Trinta e um ano depois, ele é mais conhecido no futebol por seu sobrenome, Benatia, ou por ter sido o autor do polêmico pênalti nas quartas de final da última Liga dos Campeões que fez o Real Madrid eliminar a sua Juventus. De um jeito ou de outro, é símbolo de uma Copa com fronteiras cada vez mais invisíveis.

Não demorou para o jovem Benatia ter detectada uma promissora carreira. Por conta disso, conquistou sua vaga no centro de treinamento de Clairefontaine, França, principal celeiro de talentos que jogarão na Rússia. Alguns estarão na seleção francesa, como o atacante Mbappé. Vários outros, como Benatia, jogarão com camisas de outras cores. Após entrar em campo pelos bleus em torneios de base, ele, assim como seus pais, fez uma mudança de país em busca de oportunidades. Se tivesse escolhido em 2008 a Argélia, de sua mãe, poderia ter jogado o Mundial no Brasil. Mas preferiu então o Marrocos, que só agora lhe proverá uma participação no maior palco do futebol.

Entre os 736 atletas inscritos na Copa, não são poucos os que têm histórias semelhantes a essa: 39 deles nasceram na Europa, mas disputarão o torneio por seleções africanas; 16 deles só pelo Marrocos, que conta com apenas seis atletas nascidos no país.

Outros 11 fizeram o caminho contrário: nascidos na África, atuam por seleções europeias. Ao todo, segundo levantamento do GLOBO, 83 jogadores não jogarão o Mundial pelo país de seu nascimento.

— Esses atletas (como Benatia) são cidadãos franceses, assim como seus pais e avós, nascidos em territórios quando esses eram posse francesa. Não são estrangeiros. Entretanto, pelas divisões da sociedade francesa, costumam viver em regiões em que a maioria das pessoas tem essa mesma origem. Ou seja, muitas vezes é um cidadão francês que, culturalmente, está mais próximo do local de origem da família — explica o professor de história Filipe Figueiredo, que comenta política internacional com frequentes citações esportivas nos podcasts “Xadrez Verbal e Fronteiras Invisíveis do Futebol”.

Vinte e nove jogadores nascidos na França disputarão a Copa por outros países. Já três nascidos em outros países representarão o país de Emmanuel Macron, que não é novo neste debate. Multicultural, a seleção campeã sobre o Brasil em 1998 virou um fenômeno social. No serviço de streaming Netflix, o documentário “Les Bleus, uma outra história da França” relembra a equipe que foi acusada de não representar o país por Jean-Marie Le Pen, fundador da Frente Nacional e pai de Marine Le Pen, segunda candidata mais votada nas últimas eleições presidenciais.

— O time de 1998 é conhecido como “Black, Blanc, Beur”, negros, brancos e “beur”, uma expressão pejorativa que se refere a árabes — lembra Kai Kenkel, professor do Instituto de Relações Internacionais da PUC-Rio e especialista em Geopolítica do Esporte. — Há um debate sobre a formação. Um país banca este investimento, mas, depois, o jogador decide atuar por outro. Esse sistema, de certo forma, beneficia a paridade. Os países africanos ficam com seleções melhores, já que eles são formados nos melhores centros de treinamento.

Do elenco campeão no Maracanã, a Alemanha tinha dois jogadores nascidos fora de seu território: Miroslav Klose e Lukas Podolski, ambos da Polônia. Dessa vez, não há nenhum. Seu grupo na Rússia, o F, que tem ainda México, Coreia do Sul e Suécia, é o único sem jogadores nascidos fora.

Isso não quer dizer ausência de debate. Com ascendência turca, Ilkay Gündogan e Mesut Özil posaram, no mês passado, para uma foto com o presidente da Turquia, Recep Tayyip Erdogan, candidato à reeleição. Gündogan chegou a escrever em uma rede social “meu presidente”. Na última sexta, na vitória por 2 a 1 sobre a Arábia Saudita em Leverkusen, foi vaiado. Também criticado, Özil foi poupado para tratar uma lesão, mas não teria melhor sorte.

— Temos muito jogadores de origem turca — reforça Kai Kenkel, que é alemão. — Alguns nascem na Alemanha, sobem nas divisões de base lá e vão jogar pela Turquia. Muitas vezes os pais, especialmente portugueses e turcos, influenciam.

A seleção de Portugal tem no velho conhecido Pepe um dos cinco jogadores nascidos no Brasil que vão à Copa sem serem escolhidos por Tite. Os outros são Rodrigo Moreno e Diego Costa, da Espanha, Mário Fernandes, da Rússia, e Thiago Cionek, da Polônia.

A seleção lusitana, do astro Cristiano Ronaldo, tem outros seis “estrangeiros”: Gelson Martins, de Cabo Verde; William Carvalho, de Angola; Cédric, da Alemanha; e Anthony Lopes, Guerreiro e Adrien Silva, da França.

Para Filipe Figueiredo, há um oitavo elemento. É justamente a grande estrela da atual campeão da Eurocopa.

— Cristiano Ronaldo é nascido na Ilha da Madeira. Embora seja parte de Portugal, é um resquício de seu antigo império. Além disso, não tivemos grandes migrações de pessoas africanas para Portugal durante o império, o que talvez explique esse número relativamente baixo — argumenta o historiador. — É interessante destacar que, historicamente, os principais jogadores de Portugal eram da África, como Eusébio.

Sobre o impacto no futebol desse movimento, ele acrescenta:

— O maior problema é a apropriação do futebol para causas xenófobas, como o exemplo de Le Pen na França. Ao mesmo tempo, são oportunidades gigantescas para melhorar a aceitação de “outros” dentro desses países. O papel inclusivo do esporte, que existe desde o século XIX, deve prevalecer, mesmo com percalços.

Na Rússia, um jamaicano, o atacante Raheem Sterling, representará a Inglaterra. Um inglês, o meia Sam Morsy, o Egito. O atacante sueco Saman Ghoddos jogará pelo Irã, e um iraniano, o meia Daniel Arzani, defenderá a Austrália. Um americano, o zagueiro Gotoku Sakai, o Japão. Superpotência, os EUA, provando que nem sempre os fenômenos globais encontram paralelo no campo, estão fora da Copa.


Siga-nos no
O Portal do Holanda foi fundado em 14 de novembro de 2005. Primeiramente com uma coluna, que levou o nome de seu fundador, o jornalista Raimundo de Holanda. Depois passou para Blog do Holanda e por último Portal do Holanda. Foi um dos primeiros sítios de internet no Estado do Amazonas. É auditado pelo IVC e ComScore.

ASSUNTOS: Esportes

+ Esportes