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‘Problema da dívida chinesa pode ser o mais perigoso’, alerta especialista

Por Agência O Globo

20/10/2017 22h10 — em
Economia



RIO - O professor da George Washington University David Shambaugh avalia que o discurso do presidente chinês, Xi Jinping, no Congresso do Partido na semana passada mostra que o país asiático quer se tornar potência global. O especialista virá ao Rio para palestra do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri).

No geral, achei o discurso de Xi Jinping uma reafirmação de várias outras declarações e políticas. Mas também houve novidades, particularmente no que diz respeito ao seu desejo de aumentar o papel da China no mundo e transformá-la em uma potência global. Ele também priorizou claramente a liderança do Partido Comunista em tudo. Ele também admitiu alguns desafios que a China ainda enfrenta - pobreza, estratificação social, meio ambiente e corrupção -, mas, no geral, o discurso foi notável por causa da visão confiante que Xi exprimiu sobre o futuro da China.

No livro, e em outros textos meus, eu afirmo que a China, como qualquer país, tem tanto pontos fortes como fraquezas. Por ser um grande país, a China tem muito dos dois. O discurso do Xi Jinping foi repleto de exemplos de pontos fortes e realizações. Mas precisamos ter em mente as fraquezas sociais, étnicas, econômicas, ambientais, legais e políticas da China, que são consideráveis. Xi Jinping falou muito pouco sobre isso. Entretanto, eu não acho que a China esteja estagnada. Eu não sei por que você achou que eu teria dito isso, mas eu não concordo. Quando analisamos a China, como com qualquer país, precisamos ter uma visão abrangente e olhar para todos os aspectos da sociedade e do sistema. O governo chinês e o partido enfatizam apenas os aspectos positivos, raramente admitem fraquezas e, nunca, seus erros. Mas nós, especialistas estrangeiros em China, podemos ser mais equilibrados e honestos em nossas análises.

Sua pergunta confunde repressão política - que é a mais severa desde 1989-1992 e do que se seguiu ao incidente da (praça) Tiananmen, com reforma e abertura. A China continua empreendendo reformas em vários segmentos e também é consideravelmente aberta para o mundo. Sim, há vários problemas importantes com o problema de reforma econômica, não há qualquer reforma política acontecendo e a economia chinesa continua relativamente fechada para investidores e empresas estrangeiros. Mas, ao mesmo tempo, a China continua avançando com reformas e se desenvolvendo em outras áreas, como inovação, big data, tecnologia da informação, inteligência artificial, energia verde etc. Repito: como tudo na China, há simultaneamente progresso, estagnação e até retrocesso.

A teoria que existe entre alguns observadores da China é que Xi tinha que ser duro na repressão durante seu primeiro mandato (de cinco anos, que termina agora) para poder afrouxar no seu segundo mandato. Eu nunca comprei essa teoria porque Xi é um líder profundamente iliberal. Ele tem zero intenção de abrir e liberalizar o sistema político. Ele deixou isso muito claro em seu discurso no Congresso, que, notadamente, não teve qualquer seção (dedicada) à reforma política! Então, a repressão intensificada nos últimos cinco anos sobre a sociedade civil, ONGs, mídias sociais, internet, intelectuais, educação superior liberdade de expressão, cultura etc. deve, provavelmente, continuar enquanto Xi estiver no poder.

Sim, eu diria que há algo como um culto à personalidade de Xi Jinping na China hoje. Embora ele não seja nem de longe tão extremo como o culto à Mao nos anos 1960, ele é significativo. Xi é onipresente na vida da nação.

Sim, todos os sinais indicam que ele planeja permanecer no poder após além dos dez anos de mandato. A falta de indicação de um sucessor neste Congresso deixará sua intenção evidente.

"Um Cinturão, Uma Rota" é de longe o projeto de construção e desenvolvimento mais ambicioso da história da humanidade e resultará em um gasto estimado em algo entre US$ 12 trilhões e US$ 14 trilhões em dez anos. A ideia básica é construir vários tipos de infraestrutura - trem de alta velocidade, estradas, portos, redes elétricas, banda larga, parques industriais, cidades etc. - da Ásia ao Norte da Europa. Ele vai seguir dois caminhos: o primeiro através da Eurásia (Ásia Central) e o segundo do Sudeste asiático, passando pelo Sul da Ásia e pelo Norte da África e pelo Sul europeu.

Até onde eu sei, a América Latina não deve ter nenhum papel nesses projeto. Mas os chineses têm dito recentemente que o "Um Cinturão, Uma Rota" é uma iniciativa global. Então, quem sabe? Eu considero a iniciativa muito positiva e espera-se que ela leve a vários países um desenvolvimento de infraestrutura há muito tempo necessário. Sem dúvida, haverá desafios e erros ao longo do caminho. Mas só conseguiremos avaliar os sucessos e fracassos do plano daqui a uns cinco anos.

A retórica de Xi Jinping e o papel cada vez maior da China no mundo é notável - mas é ainda mais notável dada a mentalidade isolacionista de Trump e seu desapego ao compromisso americano, de longa da de multilateralismo e engajamento no restante do mundo. Os EUA sob Trump estão criando, muito infelizmente, um vácuo que a China poderia preencher. A questão é, a China fará isso? Eu tenho minhas dúvidas, por várias razões. Muitos países estão desconfortáveis com a China, e isso servirá para limitar a influência global da China.

A China tem desafios econômicos significativos hoje. Entre eles estão: o problema da dívida; a supercapacidade industrial; a necessidade de reestruturação do setor industrial, particularmente a reforma das estatais; a inexistência de reforma do mercado de trabalho e do "hukou" (registro que dificulta a migração de trabalhadores dentro do país); mercados de ações inflados; necessidade de reestruturação do setor financeiro; bolhas imobiliárias; protecionismo e barreira para empresas estrangeiras; e fuga de capitais. Esses são alguns dos principais desafios econômicos no presente. Todos eles são significativos e estruturais, mas você está certo, o problema da dívida (agora cerca de 282% do PIB) pode ser o mais iminentemente perigoso. Mas há várias outras tendências positivas na economia.

O PIB ainda cresce entre 6% e 7%; a China segue no caminho para se tornar a maior economia do mundo em 2025; o setor privado está liderando o crescimento, com 70% do PIB; há agilização regulatória e redução da burocracia; (a China) está construindo cidades ecológicas, criando centros de inovação em Shenzhen, Chongqing e Pequim; há a iniciativa "Um Cinturão, uma Rota" e a Parceria Regional Econômica Ampla (acordo de livre comércio entre 16 países da Ásia e da Oceania). Logo, é preciso ter uma visão equilibrada sobre o desenvolvimento da China. Tem notícias positivas e notícias preocupantes. Mas o principal desafio será controlar o crédito, reduzir a dívida, construir menos infraestrutura e investir em indústrias de valor-adicionado e em tecnologia, enquanto se expande o papel do consumo e do empreendedorismo privado e do setor de serviços na economia.

A China poderia, e deveria, fazer muito mais para pressionar a Coreia do Norte do que tem feito ao longo dos anos.


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