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Ficou difícil continuar justificando uma perspectiva positiva para o Brasil, diz S&P

Por Folha de São Paulo

06/04/2020 22h09 — em
Economia



WASHINGTON, EUA (FOLHAPRESS) - A agência de classificação de risco S&P cortou nesta segunda-feira (6) a perspectiva para a nota de crédito do Brasil, de positiva para estável, em meio a impactos da pandemia do coronavírus na economia do país. A nota de crédito em moeda estrangeira, porém, segue em BB-, considerado grau especulativo.

Analista principal da agência para o Brasil, Livia Honsel afirma à reportagem que o a perspectiva positiva estava fundamenta em uma redução do déficit nos próximos anos e no avanço da agenda de reformas, fatores que se tornaram incertos com o novo panorama.

"Um país que já tinha fraquezas fiscais importantes, com déficit fiscal importante em comparação com outros países da região. Pensamos que era difícil continuar justificando uma perspectiva positiva alta."

A nota de crédito, que é relativamente baixa, já está incorporando as fraquezas do país, explica Honsel, e portanto ainda não há perspectivas de downgrade.

"Se a contração [da economia] durar mais, se o governo não tomar as medidas depois, aí será outra história."

A analista avalia que a resposta inicial do Brasil à pandemia foi lenta devido ao moroso sistema político do país, que atrasa a aprovação das medidas necessárias para vencer a crise. Para ela, a previsão de menos 0,7% para o PIB deste ano ainda é otimista. "Pode ser menos que isso."

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Confira os principais trechos da entrevista.

Pergunta - A S&P revisou a perspectiva para a nota de crédito do Brasil, de positiva para estável. Por quê?

Livia Honsel - Com as incertezas que vemos no panorama global e no Brasil, essa crise que apenas está começando, esperamos uma contração moderada [do PIB do Brasil], de menos 0,7% [em 2020], mas pode ser muito mais forte do que isso. Um país que já tinha fraquezas fiscais importantes, com déficit fiscal importante em comparação com outros países da região. Pensamos que era difícil continuar justificando uma perspectiva positiva alta, que estava principalmente fundamentada em uma redução do déficit nos próximos anos e uma perspectiva de progresso na agenda de reformas. Esses dois fatores já não são tão certos com o novo panorama.

É possível que haja revisão também na nota de classificação do Brasil, que hoje está em BB-?

LH - O avanço na agenda de reformas agora vai levar mais tempo, principalmente as que precisam de mais consenso da classe política, estão em questão. Não é uma mudança radical na nossa opinião sobre o Brasil, só pensamos que vai demorar um pouco mais. É por isso que não tem um downgrade, não estamos indicando que vai haver um. Pensamos que o rating no nível onde está [BB-], que é relativamente baixo, já está incorporando as fraquezas do Brasil. Se a contração durar mais, se o governo não tomar as medidas depois, aí será outra história.

Qual será o principal impacto do coronavírus na economia do Brasil?

LH - O efeito direto será no crescimento econômico. No fim do ano passado, esperávamos um crescimento de mais ou menos 2% em 2020 e um pouco acima de 2% e 2,5% nos próximos dois anos. Isso muda todos os dias mas, provavelmente, o crescimento [deste ano] vai ser negativo. Projetávamos uma redução gradual do déficit nominal, agora esperamos que tenha algum tipo de deterioração temporária, mas, em geral, ainda existe compromisso de uma consolidação fiscal mais para frente.

Qual deve ser o real tamanho da queda?

LH - Revisamos projeções trimestralmente, a mais recente foi feita há duas semanas e indicava menos 0,7% em 2020. Com todas as notícias, isso pode parecer um pouco otimista e pode ser menos do que isso. Prefiro não dar um projeção final exata.

Quais são os setores mais fortes e os mais sensíveis nesse momento?

LH - Vínhamos de um panorama com a recuperação econômica mais lenta do que esperávamos, o investimento privado estava demorando para se fortalecer, porque ainda não havia confiança de que, depois da reforma da Previdência, o governo iria conseguir continuar com a agenda de reformas. Com essa crise, o impacto vai ser no setor primário, de commodities e petróleo, de indústria, com demanda mais fraca e exportações mais baixas, e no consumo, com todas as medidas de isolamento e distanciamento social. O impacto virá de vários lados.

É possível apontar um setor que consiga resistir por mais tempo ou será uma quabradeira geral?

LH - Acho que sim. Tem setores que são afetados mais diretamente, como aviação e turismo. Em outros, o impacto talvez demore mais, como comércio e varejo. Mas a desaceleração vai ser geral, com alguma diferença no tempo. Setores atingidos no curto prazo e outros, demorarão um pouco mais.

As medidas econômicas tomadas pelo governo até agora são suficientes para combater a crise?

LH - Fazemos uma comparação entre países, quais estão reagindo mais rápido frente à crise e isso vai ter um efeito, depois, na forma como esses eles vão se recuperar. Não dá para dizer ainda se as medidas discutidas no Brasil serão suficientes.

Em comparação com outros países, o Brasil reagiu de forma lenta ou rápida?

LH - O país tem uma situação mais complicada quanto à gestão política da crise em comparação a países menores ou que são mais centralizados, como o México. A impressão foi de uma resposta um pouco lenta, como aconteceu entre países que minimizaram a pandemia no início. Agora o governo está reagindo junto com o Congresso. O sistema institucional do país é mais lento e medidas podem demorar mais para serem aprovadas.

O presidente Jair Bolsonaro minimizou a pandemia, disse que o país precisava voltar a funcionar e que as pessoas não tinha que ficar em casa, ao contrário do que prega o ministro da Saúde. Até que ponto esse cabo de guerra entre economia e saúde impacta nas medidas tomadas pelo governo?

LH - Essa discussão reflete uma polarização que já víamos no Brasil e preferimos não dar opinião. O que avaliamos é uma visão de médio prazo, tentar entender se, quando isso passar, o país vai poder continuar com a agenda de reformas.

O Brasil tem capacidade de suportar a crise ou 2020 é um ano perdido?

LH - Tudo aconteceu muito rápido e a resposta do governo federal e dos governos estaduais para tentar controlar a pandemia e, depois, implementar medidas para o apoio da economia pode ter um efeito para reduzir o impacto negativo. Mas acho que 2020, sim [é um ano perdido], comparando com o cenário positivo que tínhamos. O entorno político e econômico vai complicar a aprovação de reformas fiscais porque há outras prioridades humanas e econômicas completamente justificadas.

É possível falar em recuperação no Brasil para 2021?

LH - Ainda é difícil saber quando começaria a recuperação. Vai depender da profundidade do choque. Alguns economistas estão esperando uma recuperação no final do ano, ainda lenta. Depois de uma contração, o PIB tende a aumentar mais rapidamente, é efeito de ajuste. Esperamos uma recuperação perto de 3% para 2021, mas, como falei, isso é revisado constantemente.

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