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Aplicar exige cuidado com as armadilhas

Por Agência O Globo

08/10/2017 17h10 — em
Economia



RIO - Os brasileiros que se tornam investidores em um país tão carente deles têm a certeza de estarem no caminho da prosperidade. Mas são tantas as armadilhas no trajeto de quem aplica que toda essa responsabilidade financeira pode muito bem acabar em desperdício de dinheiro, ou até prejuízo. O GLOBO ouviu especialistas sobre os ardis que afligem os aplicadores, do gerente de banco ansioso para “empurrar” produtos errados ao ímpeto de buscar cegamente o maior lucro possível em detrimento de riscos e objetivos. A melhor defesa, segundo eles, é a educação, tema principal da Semana Mundial do Investidor, iniciativa que teve lugar em mais de 80 países e terminou ontem.

André Bona, educador financeiro e fundador do Blog de Valor, lembra que a primeira armadilha se esconde bem perto do investidor: mais precisamente, na cabeça dele.

— O principal erro é enxergar o mercado financeiro como um fim em si próprio, alheio à sua vida — diz Bona. — Um exemplo: alguém que começou a investir e não tem sequer reserva de emergência. O tipo de investimento para essa pessoa tem que ser conservador e com alta liquidez para poder ser sacado a qualquer momento. Ela tem de saber que esse dinheiro vai render menos.

Bona lembra ainda que a falta de conhecimento deixa o investidor mais vulnerável a argumentos de vendas.

— O poupador tem de ter em mente que o gerente do banco e o funcionário da corretora não são consultores. Eles são como vendedores de uma loja. Jamais vão dizer que a loja ao lado tem o produto mais em conta nem que a camisa ficou ridícula em você — observa o educador financeiro. — Não que eles sejam vilões. Eles estão apenas fazendo o trabalho deles. Cabe à pessoa ter o mínimo de informação antes de tomar uma decisão.

Um exemplo é o título de capitalização. É um produto que promete ao correntista adquirir o hábito de poupar, ver o dinheiro render e, de quebra, participar de sorteios sem o risco de perder o patrimônio. Em julho, os professores Ney Brito e Pedro Trengrouse, da UFRJ e da FGV, publicaram artigo no GLOBO afirmando que esses papéis só interessam aos bancos. “O sorteio embutido é utilizado pela máquina de vendas dos bancos como uma cenoura adicional a um bom investimento, muitas vezes vendido em operações casadas, omitindo-se a possibilidade de perdas expressivas com a interrupção dos pagamentos e resgates antecipados.”

Flávio Lemos, hoje especialista em investimento e diretor da Trader Brasil Escola de Finanças & Negócios, conta ter sido vítima do assédio de gerentes com títulos de capitalização no início dos anos 1990.

— Eu tinha 20 anos, não sabia nada de investimento. Com uns colegas de faculdade, fizemos alguns serviços e juntamos uma grana. O gerente aconselhou esse papel e embarcamos nele. Depois de um tempo, precisamos sacar o dinheiro para repartir e descobrimos que tinha menos do que antes, por causa de uma multa pelo saque antecipado — lembra. — O gerente do banco precisa bater uma meta, e os clientes mais idosos ou que entendem pouco do assunto acabam sendo alvo.

Segundo Lemos, outra armadilha comum é ignorar a carência das aplicações:

— O cliente se depara com um CDB que paga 120% do CDI, um ótimo rendimento, mas que exige uma aplicação de dois anos. Essa pessoa acaba atraída pela rentabilidade mas esquece que coisas acontecem. Embora a carência sempre esteja explícita, o cliente muitas vezes cai na cilada de ignorá-la.

Ele conta que muitas pessoas procuram sua escola “querendo ficar ricas da noite para o dia”:

— Querem aplicar R$ 2 mil em bitcoins e dobrar isso em poucos dias. No caso da bitcoin, por exemplo, vai ter muito malandro oferecendo um investimento relacionado na internet. Como não é regulado, se a pessoa perder, vai ficar por isso mesmo.

Coautor do livro “Armadilhas de investimento” (editora M. Books), o professor da FGV-EESP Paulo Tenani é direto:

— Investir é como achar o mecânico do carro. A chance de você ser roubado é altíssima, e o conflito de interesse abunda.

Segundo Tenani, as ciladas são democráticas: pegam tanto os investidores de classe média baixa como os milionários:

— Se o cliente baixa renda é assediado com títulos de capitalização, o rico recebe a toda hora ofertas de notas estruturadas que escondem risco e taxas altíssimas sem ele fazer ideia.

Ele lembra que muitos dos clichês que circulam no mercado são ciladas travestidas de ensinamentos. Como a de que diversificação é para quem não entende nada de investimento.

— Muita gente nutre o mito de que há gestores que têm superpoderes para escolher os ativos certos. Por causa disso, corre o risco gratuito de concentrar suas carteiras — diz Tenani. — Já vi gente investir em uma gestora que só tinha uma pessoa. E se esse cara morre? O que acontece com seu dinheiro?

O consenso entre os especialistas é a necessidade de uma educação financeira básica. O presidente da Comissão de Valores Mobiliários, Marcelo Barbosa, ressalta ter sido este o objetivo da Semana Mundial do Investidor:

— Planejamento financeiro é fundamental, até para que a pessoa seja consumidora de serviços financeiros.


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O Portal do Holanda foi fundado em 14 de novembro de 2005. Primeiramente com uma coluna, que levou o nome de seu fundador, o jornalista Raimundo de Holanda. Depois passou para Blog do Holanda e por último Portal do Holanda. Foi um dos primeiros sítios de internet no Estado do Amazonas. É auditado pelo IVC e ComScore.

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