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Acidentes com trabalhadores crescem 43% em 10 anos

Por Agência O Globo

30/08/2016 3h52 — em
Economia



RIO - No momento em que o governo inicia um pente-fino em auxílios-doença e aposentadorias por invalidez e discute uma reforma trabalhista, dados do mais recente Anuário de Saúde do Trabalhador, elaborado pelo Dieese, mostram que o número de acidentes de trabalho registrados no INSS deu um salto de 43% em dez anos, somando 559 mil casos em 2013 (último dado disponível).

O acidente típico de trabalho — que ocorre na execução do serviço — é o mais comum, respondendo por 77% do total de casos. Mas o tipo que mais cresceu em uma década foram os acidentes durante o deslocamento casa-trabalho-casa, que dobraram no período. O total de acidentes de trabalho de trajeto passou de 49 mil para 111 mil. O número de afastamentos por esse motivo amentou de 22 mil para 47 mil em 2014. Para o Dieese, o aumento é reflexo do descompasso entre a formalização do mercado de trabalho e a qualidade do transporte público.

— O transporte público deficiente na grande maioria dos centros urbanos, agravado pela maior circulação de trabalhadores contratados, sem o correspondente investimento em melhorias, contribuiu para essa elevação — aponta Nelson Karam, coordenador dos projetos de Saúde do Dieese.

O número de acidentes registrados no INSS, no entanto, está longe de representar a realidade. De acordo com Karam, as empresas relutam em reconhecê-los para evitar prejuízos financeiros e à imagem. A última Pesquisa Nacional de Saúde do IBGE, de 2013, mostrou, por exemplo, que os números de acidentes de trajeto eram quase 13 vezes o total apurado na pesquisa do Dieese, com base nos números registrados do INSS.

Os acidentes de trajeto são os mais difíceis de serem reconhecidos, apesar de já haver jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) a respeito. Na avaliação de algumas empresas, elas só se tornam responsáveis a partir do momento em que o trabalhador inicia suas atividades. O ministro do Tribunal Superior do Trabalho (TST), Ives Gandra, reconhece “ser voto vencido” no TST, mas defende que o empregador seja responsabilizado apenas em caso de negligência, imprudência ou imperícia no transporte oferecido:

— Sustento que, em caso de acidente automobilístico provocado por terceiro, esse terceiro seja responsabilizado. Não o empregador.

A definição da Organização Internacional do Trabalho (OIT) é clara: acidente de trajeto é aquele que ocorre no caminho entre o local de trabalho e a casa do trabalhador, o local onde costuma comer e onde ele recebe sua remuneração, além dos ocorridos no deslocamento para cumprir uma tarefa de trabalho.

— Os riscos associados aos deslocamentos em veículos têm de ser geridos da mesma maneira que qualquer outro risco laboral identificado no interior da empresa — avalia Carmen Bueno, especialista de Saúde e Segurança no Trabalho do escritório Regional da OIT para a América Latina e o Caribe.

A Confederação Nacional da Indústria — que com 308,81 mil casos registrados em 2013 é o segundo setor com maior incidência de acidentes de trabalho — reconhece os acidentes de trajeto, mas entende que uma solução para reduzi-los está fora do alcance de programas de prevenção, segurança e saúde das empresas, segundo a diretora de Relações Institucionais da entidade, Mônica Messenberg. Por isso, pediu ao governo federal a exclusão dos acidentes de trajeto do cálculo do Fator Acidentário de Prevenção (FAP), pelo qual as empresas podem sofrer redução de 50% ou majoração de 100% na alíquota dos Riscos Ambientais do Trabalho (RAT) paga sobre a folha de pagamento, com base em índices de frequência, gravidade e custo dos acidentes. O pedido está sendo analisado pela Previdência. No setor, os acidentes de trajeto subiram 42% em sete anos, chegando a 35,2 mil ocorrências em 2013.

O pintor Thiago Alves de Jesus, de 28 anos, ficou seis meses afastado do trabalho recuperando-se de uma fratura no joelho direito. Ele se machucou ao cair de uma escada móvel de 2,5 metros de altura, usada para alcançar o teto da embarcação que estava lixando num estaleiro de Niterói. O acidente ocorreu em dezembro, conta, quando um colega puxou uma mangueira que estava enrolada em um dos pés da escada:

— Quem trabalha em estaleiro convive diariamente com o risco. Passam toneladas por cima da nossa cabeça. Mas a gente precisa de emprego e, na atual realidade, não dá pra escolher. A empresa tem um técnico de segurança, mas no meu setor faltava organização. Também não quiseram instalar o andaime pra pintura para agilizar o trabalho, e acabei usando a escada.

Apesar da alta expressiva dos acidentes de trajeto, são as doenças ocupacionais as que mais preocupam a OIT. Segundo a entidade, somente 14% dos 2,3 milhões de trabalhadores que morrem todo ano no mundo em razão do trabalho são vítimas de acidentes, frente a 86% de mortes como consequência de doenças ocupacionais, consideradas pela OIT como uma “pandemia oculta”.

— É preciso adotar um marco legislativo sólido e coerente, baseado na prevenção, fortalecer o diálogo entre governos, empregados e trabalhadores, os projetos e a aplicação de políticas e programas sobre o tema — aponta Carmen.

O setor de serviços concentra a maior parte dos acidentes de trabalho no Brasil. Foram 360,2 mil em 2013, ou metade do total registrado naquele ano, segundo o Dieese. Fábio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio de Bens e Serviços (CNC), avalia que trata-se de uma questão de proporcionalidade, já que 35% da mão de obra estão no setor de serviços, contra 16% da indústria, que apresenta mais riscos.

O anuário do Dieese mostra, porém, que houve queda nas taxas de mortalidade entre trabalhadores formais devido a acidentes de trabalho no período de 2004 a 2014, de 6,9 por cem mil trabalhadores para 3,8 por cem mil.

As doenças ocupacionais mais comuns são as ósseo-musculares e as psiquiátricas, mas a principal causa dos acidentes típicos são uma combinação de falta de fornecimento de equipamentos adequados pelas empresas e de negligência por parte dos funcionários, que muitas vezes ignoram as instruções de segurança, observa Ricardo Pacheco, vice-presidente da Associação Brasileira das Empresas de Saúde e Segurança do Trabalho (Abresst).

Em e-mail, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) informou ao GLOBO que é responsabilidade das unidades estaduais fiscalizar o cumprimento de normas de saúde e segurança do trabalho por empresas de alto risco potencial e pelas de maior incidência. Só em 2014, o MTE aplicou R$ 1,72 bilhão em multas em razão do descumprimento da legislação trabalhista, inclusive de normas de saúde e segurança. Em média, as empresas recorrem em 45% dos autos de infração aplicados, e somente em cerca de 62% dos processos há pagamento da multa.

Os contribuintes da Previdência têm direito ao auxílio-doença quando sofrem acidente de trabalho e têm de se afastar de suas atividades por mais de 15 dias. Segundo o MTE, o número de contribuintes em 2014, dado mais recente, era de 54,8 milhões. Nesse mesmo ano, a Previdência gastou R$ 9,56 bilhões em pagamentos de benefícios por acidente de trabalho. Em dezembro de 2014, 861,13 mil pessoas recebiam esse tipo de benefício.


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