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Aos 80 anos, Hermínio Bello de Carvalho homenageia os que já foram e são objeto permanente de sua devoção

Por Agência O Globo

24/07/2016 4h00 — em
Arte e Cultura



Millôr Fernandes abominava a comemoração de datas redondas, quando uma personalidade adentrava na casa dos 50, 90, 100 anos. Mas na época em que labutava na Funarte, me dei conta de que Mário de Andrade faria 90 em 1987. Telefonei pro Drummond, expus minha vontade de fazer uma celebração, e o poeta me atirou, metaforicamente, um balde de água gelada: “E você acha que ainda existe alguém interessado no Mário, Hermínio?” Absorvi o vexame, botei minha viola no saco e aprendi uma lição: se você tem um projeto em mente, tome você a iniciativa e prove que ele é viável e oportuno.

Procurei o Rubem Braga, e perguntei se sabia do destino de uma placa feita pelo Bruno Giorgi e que fora afixada no prédio onde Mário viera se exilar no Rio, depois que um canalha o depôs do cargo no Departamento de Cultura de São Paulo. Apartamento pequeno, pertinho da Taberna da Glória, onde recebia uma turma de jovens que o admiravam: Fernando Sabino, Moacyr Werneck de Castro, Lucio Rangel.

Encurtando a história, fui atrás da placa que fora retirada por um síndico homofóbico que não morria de amores pelo Mário. Fui recebido por um novo titular. O pobre sofria de gota e só abriu um sorriso quando revelei que era filho de Seu Ignacio, calista como ele. Disse desconhecer o destino da placa, me pediu que viesse no dia seguinte — e lá estava eu, rente que nem pão quente. Emoção pura: trazia a placa que se julgava desaparecida. Abracei-o comovido.

Quando contei pro Drummond, ele fez apenas um breve comentário: “Você é mesmo maluco.” Maluco obsessivo, diga-se.

Drummond tornou-se meu principal parceiro nessa empreitada: jogou-me nos braços de Pedro Nava, Mignone, Scliar, Mindlin e, sobretudo, da professora Oneyda Alvarenga, discípula favorita de Mário. Ela amargurava uma derrota: Mário deixara-lhe o encargo de publicar o “Dicionário de Música Brasileira”, sua menina dos olhos, que há anos tentava organizar. Depois da morte dele, ela ainda tentou reunir o grupo de trabalho, mas desistira pela absoluta indiferença dos podres poderes públicos àquele importante projeto. A partir do nosso encontro lutei para buscar verbas, mas, infelizmente, ela faleceu sem conhecer o trabalho editado.

Ora, o assunto proposto não eram meus 80 anos? Prefiro transferir essa carinhosa homenagem aos que foram, e são, objeto de minha permanente devoção: Pixinguinha, Clementina de Jesus, Valzinho, Elizeth Cardoso, Zezé Gonzaga, Radamés Gnattali. Dedico a eles e aos professores da Casa do Choro (também Escola Portátil de Música), na figura de Luciana Rabello, sua jovem presidente.

E agradeço ao Drummond o balde de água fria, que alicerçou muitas das iniciativas que fiz na Funarte — Projetos Pixinguinha, Almirante e Lúcio Rangel. Afinal, como aprendi com Millôr Fernandes, “Quem começa já fez”.


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